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Ilha Terceira, Serra do Cume (Altar, tempo presente) |
A neblina dissipou-se, e com ela a chuva
caprichosa própria desta terra, mas o vento, orgulhoso, característico da serra permaneceu para me vendar os olhos com meu cabelo. Tentativa infrutífera de me
deter, pois, este caminho já o sabia de cor, tantas foram as vezes percorridas nele.
Não me incomoda esta ventosidade, lembra-me de casa. Amanhecia sem o céu dar
graça ao sol, as nuvens egoístas guardavam-no só para si. Não fosse o que me
esperava no topo, a caminhada podia tornar-se penosa para alguém da minha idade.
Meus compatriotas troçam dizendo que eu jamais conhecerei Valhalla (1), tantas
eram as minhas preces a Tyr (2). Não rezava à divindade para me poupar a vida, acolheria
de bom grado uma boa morte numa disputa como todo guerreiro, a maior das
honras, se fosse essa a sua vontade. Pedia antes que guiasse meus barcos com
sua estrela, não tenho culpa se com isso também guiava meu machado pelo
aglomerado de inimigos.
Circundando as pedras sagradas,
depois de alguma erva húmida pisada, o altar. Chegado lá tracei um sorriso
sinuoso contrastando com meu interior reto. Contemplei do planalto a magnífica
paisagem à minha frente. Custava-me deixar esta terra fértil. Para os de ocidente
somos bárbaros saqueadores, para os de oriente somos sanguinários, no sul
vêem-nos como demónios, mas no norte nós apenas somos. Adoramos riquezas como
qualquer homem ambicioso de qualquer nação, mas aquilo que temos como maior
valor é a terra. Esta é a razão da nossa inquietude e expansão, não existe
maior tesouro. Aqueles que não percebem isso têm-nas em abundancia e veem-lhe
devolvido o suor quer de verão como de inverno sem penúria de comida.
Meus dedos cursam a runa de Tyr
que cravei, mas descanso meus olhos noutra runa, ali muito antes do meu tempo. Olhando
em redor absorvo a solidão em que me encontro, e percebo o porquê de terem
escolhido a runa de Is (3). A busca de isolamento para renovação pessoal e ao
mesmo tempo prestar tributo a esta linda terra e ao que nos pode dar.
O altar era de rocha solida
brotada do solo, no seu centro uma bacia que a tal chuva briosa mantinha cheia; um lugar espiritual. Lavei o meu rosto e cabelos, purificando-me. Os suspiros
vencem-me vezes sem conta, vou partir deste pouso descoberto por nós tolos que
pusemos à prova mitos de outros. Meus filhos já seguiram nos seus drakares (4) no
dia anterior, mas eu não podia partir sem antes vir aqui, sem antes a ver.
Obrigações que nos roubam de um sonho e riscam da história o nome que seria imortalizado,
Lofn filho de Aegir. Agora, como os indígenas desta terra antes de mim, eu vou
partir para nunca mais voltar, e deixar esta terra ser reclamada por quem vier
depois de mim.
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Ilha Terceira |
Desde que me lembro, que tenho
esta necessidade recorrente de encontrar novos mundos. Não necessariamente para
lá do horizonte, mas algo fantástico escondido no meio de nós. Esta não era uma
ilha sem seus segredos, vejo-os adormecidos em todo o meu redor, gigantes de
pedra, faces e punhos repousando no solo até Ragnarok (4), quando medirão
forças com os exércitos de Odin (5).
A minha curiosidade vai para além da do
meu povo e isso vem de um sentimento, não, de uma certeza, não pertenço a lado algum.
Como memória mais remota lembro-me de olhar o meu reflexo na água como estou agora
e perguntar-me: “Que mundo se esconde por trás da superfície de água que me
reflete?”. Tentava desmascarar o meu sósia num movimento que não o meu e até encurralá-lo.
Perguntava-me se teria uma vida ligeiramente diferente da minha e se pensava da
mesma forma que eu.
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Ilha Terceira |
O ano já me ilude, mas foi numa
lua como a que nasci que meu reflexo e eu finalmente rompemos com o que era
suposto fazermos e de um salto ficou do meu lado, tão real e de carne e osso
como eu. Não bastando a manifestação portentosa, tomou forma feminina rivalizando
com a maior das belezas de Asgard (6). Não foi difícil reconhecer-lhe uma
versão melhorada de mim mesmo. Ela que roubou-me a atenção e fez de mim também
ladrão.
O vento é finalmente domado,
fazendo prever o que vinha a seguir. Em rocha pura, vejo o borbulhar da água
ferver sem outra explicação que não uma fora deste mundo. Do vapor vejo-a tomar
forma. Meus joelhos enfraquecem e os meus olhos pousam no chão, Dalla era
novamente minha para adorar. Seu gentil toque afaga-me a face barbuda. Não me disse
nada, mas fez-me sentir muito. Segredo-lhe que nos veríamos novamente, mas
continuei abraçado pelo silêncio. Amuada, triste com a minha partida, não que
não nos fossemos ver novamente, existe altares semelhantes de onde venho,
determinantes às nossas visitas insulares e parcas de uma relação de vontade
com limites. Não a censuro, meu coração emudecia também, o mundo melindrava-me
sem ela. Embora ela não deixasse-me dizê-lo, eu amava-a como um ser de livre
pensamento que pensa freneticamente e como um barco ancorado ao sentimento. Veio
a mim à alguns anos respondendo a uma prece silenciosa que não me atrevi
vozeirar, e partilhámos desde então o que é negado àqueles de mente afunilada.
Por fim Dalla desvaneceu-se no ar, mesmo antes de duas figuras ao longe pescarem-me
o olhar, manchando o verde dominante com seus escudos redondos pintados de
vermelho e azul. Era altura de ir.
(1)
Salão
dos guerreiros caídos em batalha
(2)
Deus
da batalha
(3)
Gelo
(4)
Fim
do mundo
(5)
Rei
dos Deuses
(6)
Reino
dos Deuses
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