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Primeiro havia o Vazio, a escuridão profunda que se
propagava pelo infinito. O tempo
mantinha‑se imóvel,
pois tudo permanecia igual,
nenhuma luz, som ou odor invadia
aqueles limites, apenas o Nada
tinha lugar, até o princípio do
Tudo começar.
Certa vez, na monotonia do Vazio,
algo inesperado e
estranho aconteceu, um ruído,
embora fraco, propagou‑se pelo
manto preto daquele domínio e o
Nada deixou de ter sentido.
Uma mudança tinha sido feita e a
evolução não podia ser travada.
Onda após onda, o som manteve‑se num ritmo constante e a roda
do tempo começou a girar a partir
daquele momento, tomando
como referência apenas aquilo que
conhecia.
Um milhar de batidas depois, uma
forma nasceu. Assustado
e inexperiente, procurou refúgio,
mas era escusado, pois só ele
existia. Desesperado, queria
encontrar segurança e, seguindo o
seu instinto, deixou a energia
fluir através do seu corpo e deu‑se
uma explosão. Embora amedrontado,
sentiu‑se, ao mesmo
tempo, maravilhado. A beleza do
que tinha criado não podia ser
negada. Cores que até então não
existiam rodearam‑no e a luz
empurrou o negro para longe.
Naquele momento, o calor que
o invadia fê‑lo sentir‑se protegido, foi assim que
contemplou o
nascer da primeira estrela.
O tempo continuou num número de
batidas tão imenso
que durou metade da vida da sua
criação. Até então, o primeiro
ser nunca ousou sair de onde se
sentia seguro, o receio do que
estava para além da luz, impedia‑o de vaguear pelo infinito. Foi
assim durante a outra metade do
tempo que restava à estrela.
A luz foi‑se, o frio voltou e a sua protecção foi consumida pela
escuridão.
A dor pela perda da sua única
companhia foi avassaladora,
mas não maior do que a raiva que
se gerou dentro dele, servindo
como condutora para uma segunda
explosão de energia. Ao
princípio, não pareceu acontecer
nada, para além de um forte
novo, talvez imperceptível por se
confundir com o pano de fundo.
O único ser, sentiu a sucção e
perguntou‑se sobre o que havia
feito. Para os seus olhos, tudo
estava igual, mas para os seus outros
sentidos, algo estava mesmo
errado. Agora, mais calmo, deixou,
mais uma vez, a energia fluir, e
a luz irradiou do seu corpo, foi
então que viu a magnitude e o
perigo do que tinha criado. À sua
frente estava a potencial
destruição do espaço em que vivia e
talvez o instrumento do seu
próprio fim. Uma enorme mancha,
que permaneceu escura, mesmo
quando o resto do negro recuou.
Era um enorme buraco que sugava
toda a realidade.
O único ser olhou amedrontado para
a sua segunda criação,
esta despertava nele sentimentos
opostos aos da primeira. O
seu medo do escuro estava agora
concentrado num só ponto.
Irónico que a arma do fim daquilo
que odiava, tinha, por sua
vez, a sua forma assustadora. Viu‑se então obrigado a fazer uma
escolha: levar a cabo a sua
vingança e, por este meio, terminar
com a sua própria existência, ou
lutar pela sua continuação. Os
seus instintos apontavam na
direcção da sobrevivência, mas já
não se guiava apenas por eles,
tinha pensamentos e a bênção da
escolha. Foi nesse momento que
percebeu que não queria acabar,
preservava a sua vida acima de
tudo e, por isso, escolheu… a vida.
No momento a seguir, o perigo
desapareceu, tão rápida foi
a sua vinda como a sua ida. Foi
então que o único ser percebeu
a dimensão do que podia fazer,
não havia nada a recear, porque
podia dar e tirar, tinha o poder
de controlar. Pela primeira vez,
desde a sua existência, mergulhou
no mar infinito, deixando um
rasto de riso atrás. Podia
deslocar‑se à vontade e o sentimento de
liberdade invadiu‑o, como uma capa de invulnerabilidade, mas,
bem no seu íntimo, aquela
experiência ficara‑lhe gravada, uma
marca que nunca esquecera.
Concluiu que a luz era o conforto e
a alegria, enquanto a escuridão
despertava o medo e a raiva. Foi
assim, desta forma simples, que,
pela primeira vez, se distinguiu
o bem do mal. A sua grande
inspiração, veio depois daquela
revelação, viu a maneira de levar
a melhor ao Vazio sem se destruir
no processo e foi então que
iniciou a formação do Cosmos.
Usando a enorme tela preta que
tinha ao seu dispor, pintou
a origem do Tudo. Começou com
algumas dezenas de corpos
celestes, que formaram um sistema
solar, até estes se multiplicarem
e se expandirem num círculo que
foi ficando maior e maior,
empurrando cada vez mais a
fronteira com o negro. Uma galáxia
foi construída e depois outra e
outra, seguindo sempre o mesmo
processo, até o Universo inteiro
ser criado. Durante este tempo
todo, o seu trabalho foi
contínuo, sem hesitação ou objectivos a
atingir, para além de fazer
crescer sua obra, até ele não ver mais
propósito em continuar.
Agora, na imensidão do Tudo,
sentia igual solidão quando
não havia nada. Tinha feito tanto
e mesmo assim sentia‑se oco.
Questões sobre a sua existência
ou a razão de estar sozinho,
começaram a surgir na sua mente.
Ao longo de todo este tempo,
ninguém como ele apareceu e
perguntava‑se se ia alguma vez
aparecer. Por longos períodos
esperou, mas nada. Ficar só para
sempre era algo impensável. Viu o
desabrochar de um sistema
solar até este atingir o seu
auge, a sua paciência foi testada até ao
limite, quando, finalmente, tomou
uma decisão.
Moldou oito formas mais pequenas,
mas suas semelhantes.
Na altura, corpos inanimados que
eram inventados à medida que
eram construídos, cada um feito
ao pormenor de maneira que
fossem singularmente distintos
dos restantes. A formação de
mentes individuais é que se
tornou um desafio, visto ainda não
ter uma personalidade definida
para poder desenvolver outras
consciências. No entanto, não
desistiu, pois se o fizesse, seria
consumido pela tristeza de não
ter ninguém.
Nenhum trabalho requereu tanta
concentração e cuidado
como este, nenhum outro foi feito
com tanta paixão. Não quis
ser apressado, tinham de ficar
perfeitos, ou então não valeria a
pena fazê‑los.
Finalmente, e depois de uma
análise minuciosa, viu
concluído o seu projecto,
faltando apenas um pormenor. Usando
o seu próprio sangue, sujou a
boca de cada figura. Como o único
ser no princípio, foram precisas
um milhar de batidas cardíacas
até acordarem. A cada despertar
foi‑lhes dito os seus nomes
e a personalidade que lhes iam
acentuar as individualidades:
Divinal, o decidido e forte;
Lemur, o calmo e pacífico; Mortinus,
o reservado e prudente e Zamiel,
o inseguro e vaidoso. Os quatro
pertenciam ao sexo masculino, uma
das muitas características
inventadas para os tornar únicos.
Por parte do feminino,
tínhamos Lemuria, a amável e
apaixonada; Usuluir, a inventiva e
trabalhadora; Dénia, a
controladora e corajosa e Belusa, a pura e
tímida. No final dos nascimentos,
o seu pai nomeou‑se Meladine,
senhor de todas as coisas.
senhor de todas as coisas.
tornou‑se instantaneamente coisa do passado. Os Oito, apesar
de terem sido feitos à partida
com um único propósito, tinham
muito potencial. As suas
inexperiências fizeram do primeiro ser
um professor. Foi‑lhes ensinado tudo o que ele sabia, quer sobre
o que os rodeava, quer sobre os
seus profundos pensamentos. A
educação continuou por um longo
período, até o primeiro ser os
encorajar a mostrarem o seu
valor. Ainda inseguros e intimidados
pelas grandes obras do seu
mestre, acreditavam ser impossível
igualar a grandeza do que ele
tinha feito, por isso adoptaram
uma criação à partida mais
modesta. Viraram as suas atenções
para um único ponto do Cosmos,
que não tinha nada à excepção
dos materiais que o sustentava.
Meladine observou curioso,
mas não interveio. Usando as suas
mentes frescas e criativas,
os Oito começaram o seu trabalho.
Todos tinham o seu plano,
uma forma de atingir o mesmo
ideal, mas depressa aprenderam
que a complexidade do que queriam
ia crescendo à medida que
avançavam e alterações eram
necessárias consoante os problemas
encontrados. Mesmo assim, deu‑se depressa a transformação de
uma rocha seca do Cosmos num jardim
cheio de cor e encanto.
Com o seu esforço conseguiram
esculpir e semear o terreno para
formar o efeito desejado.
Na apresentação do seu trabalho,
foi mostrado o enorme
jardim vestido com as mais altas
árvores e as mais frágeis
flores, uma verdadeira maravilha
que cobria todo o Continente,
mantido vivo pela água, que foi
inteligentemente dispersa, pelas
estações que asseguravam o ciclo
de renovação e pelos três
sois que iluminavam
constantemente a terra. Foi assim que o
rochedo ganhou vida, Durane, o
espírito da terra que respirava,
responsável por manter o ciclo da
vida.
Muito bom, nobre amigo. Parabéns mesmo!
ResponderEliminarObrigado Odin, isto é ainda só um cheirinho do mundo que criei.
EliminarFicou muito bom mesmo, a leitura envolve, a escrita está muito fluida! Estou curiosa para saber o que esses oito vão fazer. Parabéns, Zamiel, tenho para mim que é muito difícil desenvolver a cosmologia de um mundo (eu ao menos tenho bastant dificuldade com isso), por isso mesmo fico admirada quando vejo um trabalho tão detalhado e verossímil nesse sentido.
ResponderEliminarSe quer que seja sincero. Muitas vezes olho para trás e não sei como consegui, mas quando se tinha só a mente como companheira, era levado onde eu nem desconfiava.
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