quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Criação da Terra Antiga (Prefácio - parte 1; livro 1)

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Primeiro havia o Vazio, a escuridão profunda que se
propagava pelo infinito. O tempo mantinhase imóvel,
pois tudo permanecia igual, nenhuma luz, som ou odor invadia
aqueles limites, apenas o Nada tinha lugar, até o princípio do
Tudo começar.
Certa vez, na monotonia do Vazio, algo inesperado e
estranho aconteceu, um ruído, embora fraco, propagouse pelo
manto preto daquele domínio e o Nada deixou de ter sentido.
Uma mudança tinha sido feita e a evolução não podia ser travada.
Onda após onda, o som mantevese num ritmo constante e a roda
do tempo começou a girar a partir daquele momento, tomando
como referência apenas aquilo que conhecia.
Um milhar de batidas depois, uma forma nasceu. Assustado
e inexperiente, procurou refúgio, mas era escusado, pois só ele
existia. Desesperado, queria encontrar segurança e, seguindo o
seu instinto, deixou a energia fluir através do seu corpo e deuse
uma explosão. Embora amedrontado, sentiuse, ao mesmo
tempo, maravilhado. A beleza do que tinha criado não podia ser
negada. Cores que até então não existiam rodearamno e a luz
empurrou o negro para longe. Naquele momento, o calor que
o invadia fêlo sentirse protegido, foi assim que contemplou o
nascer da primeira estrela.
O tempo continuou num número de batidas tão imenso
que durou metade da vida da sua criação. Até então, o primeiro
ser nunca ousou sair de onde se sentia seguro, o receio do que
estava para além da luz, impediao de vaguear pelo infinito. Foi
assim durante a outra metade do tempo que restava à estrela.
A luz foise, o frio voltou e a sua protecção foi consumida pela
escuridão.
A dor pela perda da sua única companhia foi avassaladora,
mas não maior do que a raiva que se gerou dentro dele, servindo
como condutora para uma segunda explosão de energia. Ao
princípio, não pareceu acontecer nada, para além de um forte

estrondo, mas, no centro de todo aquele preto, formouse algo
novo, talvez imperceptível por se confundir com o pano de fundo.
O único ser, sentiu a sucção e perguntouse sobre o que havia
feito. Para os seus olhos, tudo estava igual, mas para os seus outros
sentidos, algo estava mesmo errado. Agora, mais calmo, deixou,
mais uma vez, a energia fluir, e a luz irradiou do seu corpo, foi
então que viu a magnitude e o perigo do que tinha criado. À sua
frente estava a potencial destruição do espaço em que vivia e
talvez o instrumento do seu próprio fim. Uma enorme mancha,
que permaneceu escura, mesmo quando o resto do negro recuou.
Era um enorme buraco que sugava toda a realidade.
O único ser olhou amedrontado para a sua segunda criação,
esta despertava nele sentimentos opostos aos da primeira. O
seu medo do escuro estava agora concentrado num só ponto.
Irónico que a arma do fim daquilo que odiava, tinha, por sua
vez, a sua forma assustadora. Viuse então obrigado a fazer uma
escolha: levar a cabo a sua vingança e, por este meio, terminar
com a sua própria existência, ou lutar pela sua continuação. Os
seus instintos apontavam na direcção da sobrevivência, mas já
não se guiava apenas por eles, tinha pensamentos e a bênção da
escolha. Foi nesse momento que percebeu que não queria acabar,
preservava a sua vida acima de tudo e, por isso, escolheu… a vida. 

No momento a seguir, o perigo desapareceu, tão rápida foi
a sua vinda como a sua ida. Foi então que o único ser percebeu
a dimensão do que podia fazer, não havia nada a recear, porque
podia dar e tirar, tinha o poder de controlar. Pela primeira vez,
desde a sua existência, mergulhou no mar infinito, deixando um
rasto de riso atrás. Podia deslocarse à vontade e o sentimento de
liberdade invadiuo, como uma capa de invulnerabilidade, mas,
bem no seu íntimo, aquela experiência ficaralhe gravada, uma
marca que nunca esquecera. Concluiu que a luz era o conforto e
a alegria, enquanto a escuridão despertava o medo e a raiva. Foi
assim, desta forma simples, que, pela primeira vez, se distinguiu
o bem do mal. A sua grande inspiração, veio depois daquela
revelação, viu a maneira de levar a melhor ao Vazio sem se destruir
no processo e foi então que iniciou a formação do Cosmos.
Usando a enorme tela preta que tinha ao seu dispor, pintou
a origem do Tudo. Começou com algumas dezenas de corpos
celestes, que formaram um sistema solar, até estes se multiplicarem
e se expandirem num círculo que foi ficando maior e maior,
empurrando cada vez mais a fronteira com o negro. Uma galáxia
foi construída e depois outra e outra, seguindo sempre o mesmo
processo, até o Universo inteiro ser criado. Durante este tempo
todo, o seu trabalho foi contínuo, sem hesitação ou objectivos a
atingir, para além de fazer crescer sua obra, até ele não ver mais
propósito em continuar.
Agora, na imensidão do Tudo, sentia igual solidão quando
não havia nada. Tinha feito tanto e mesmo assim sentiase oco.
Questões sobre a sua existência ou a razão de estar sozinho,
começaram a surgir na sua mente. Ao longo de todo este tempo,
ninguém como ele apareceu e perguntavase se ia alguma vez
aparecer. Por longos períodos esperou, mas nada. Ficar só para
sempre era algo impensável. Viu o desabrochar de um sistema
solar até este atingir o seu auge, a sua paciência foi testada até ao
limite, quando, finalmente, tomou uma decisão.
Moldou oito formas mais pequenas, mas suas semelhantes.
Na altura, corpos inanimados que eram inventados à medida que
eram construídos, cada um feito ao pormenor de maneira que
fossem singularmente distintos dos restantes. A formação de
mentes individuais é que se tornou um desafio, visto ainda não
ter uma personalidade definida para poder desenvolver outras
consciências. No entanto, não desistiu, pois se o fizesse, seria
consumido pela tristeza de não ter ninguém.
Nenhum trabalho requereu tanta concentração e cuidado
como este, nenhum outro foi feito com tanta paixão. Não quis
ser apressado, tinham de ficar perfeitos, ou então não valeria a
pena fazêlos.
Finalmente, e depois de uma análise minuciosa, viu
concluído o seu projecto, faltando apenas um pormenor. Usando
o seu próprio sangue, sujou a boca de cada figura. Como o único
ser no princípio, foram precisas um milhar de batidas cardíacas
até acordarem. A cada despertar foilhes dito os seus nomes
e a personalidade que lhes iam acentuar as individualidades:
Divinal, o decidido e forte; Lemur, o calmo e pacífico; Mortinus,
o reservado e prudente e Zamiel, o inseguro e vaidoso. Os quatro
pertenciam ao sexo masculino, uma das muitas características
inventadas para os tornar únicos. Por parte do feminino,
tínhamos Lemuria, a amável e apaixonada; Usuluir, a inventiva e
trabalhadora; Dénia, a controladora e corajosa e Belusa, a pura e
tímida. No final dos nascimentos, o seu pai nomeouse Meladine,
senhor de todas as coisas.
    Excedendo todas as expectativas do seu criador, a sua solidão
tornouse instantaneamente coisa do passado. Os Oito, apesar
de terem sido feitos à partida com um único propósito, tinham
muito potencial. As suas inexperiências fizeram do primeiro ser
um professor. Foilhes ensinado tudo o que ele sabia, quer sobre
o que os rodeava, quer sobre os seus profundos pensamentos. A
educação continuou por um longo período, até o primeiro ser os
encorajar a mostrarem o seu valor. Ainda inseguros e intimidados
pelas grandes obras do seu mestre, acreditavam ser impossível
igualar a grandeza do que ele tinha feito, por isso adoptaram
uma criação à partida mais modesta. Viraram as suas atenções
para um único ponto do Cosmos, que não tinha nada à excepção
dos materiais que o sustentava. Meladine observou curioso,
mas não interveio. Usando as suas mentes frescas e criativas,
os Oito começaram o seu trabalho. Todos tinham o seu plano,
uma forma de atingir o mesmo ideal, mas depressa aprenderam
que a complexidade do que queriam ia crescendo à medida que
avançavam e alterações eram necessárias consoante os problemas
encontrados. Mesmo assim, deuse depressa a transformação de
uma rocha seca do Cosmos num jardim cheio de cor e encanto.
Com o seu esforço conseguiram esculpir e semear o terreno para
formar o efeito desejado.
Na apresentação do seu trabalho, foi mostrado o enorme
jardim vestido com as mais altas árvores e as mais frágeis
flores, uma verdadeira maravilha que cobria todo o Continente,
mantido vivo pela água, que foi inteligentemente dispersa, pelas
estações que asseguravam o ciclo de renovação e pelos três
sois que iluminavam constantemente a terra. Foi assim que o
rochedo ganhou vida, Durane, o espírito da terra que respirava,
responsável por manter o ciclo da vida.



4 comentários:

  1. Muito bom, nobre amigo. Parabéns mesmo!

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    1. Obrigado Odin, isto é ainda só um cheirinho do mundo que criei.

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  2. Ficou muito bom mesmo, a leitura envolve, a escrita está muito fluida! Estou curiosa para saber o que esses oito vão fazer. Parabéns, Zamiel, tenho para mim que é muito difícil desenvolver a cosmologia de um mundo (eu ao menos tenho bastant dificuldade com isso), por isso mesmo fico admirada quando vejo um trabalho tão detalhado e verossímil nesse sentido.

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    1. Se quer que seja sincero. Muitas vezes olho para trás e não sei como consegui, mas quando se tinha só a mente como companheira, era levado onde eu nem desconfiava.

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