quarta-feira, 19 de março de 2014

Parar o Tempo

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"O esforço para unir a sabedoria e o poder raramente dá certo e somente por tempo muito curto" (Albert Einstein)


Eu nasci diferente.
Ninguém sabe a nossa origem, mas entre o que sabemos fica a certeza que chegará o dia que nossos poderes se revelarão. No entanto nada me pôde preparar para o que viria. É diferente para cada Especial, a mim calhou-me o poder de parar o tempo. Enquanto criança imaginei muitas vezes que tipo de super-herói me tornaria, que feitos magníficos me estavam reservados. Era uma lógica coerente. Com capacidades sobre-humanas eu me tornaria um herói, como os muitos que seguia nas séries de animação. Mas quando recebi as minhas habilidades em adolescente ou pelo menos com a mentalidade de um, perdi-me em partidas. Na zona morta, como a chamo, eu caminhava enquanto tudo ficava travado. Imaginem as possibilidades. Brinquei com as pessoas, coisas simples ao princípio, baixar calças, tapar olhos, trocar bebidas, lembro-me um dia de entrar numa missa e despir o padre e ainda ter pachorra de despir umas beatas, só para depois me deliciar com as suas reações quando voltava a fazer a roda do tempo girar. Não me lembro de rir tanto como naquela altura. Com a experiência as minhas partidas aumentaram de tom e malvadez.
Eu nunca me vi como um vilão, mas nunca me tornei o herói que me havia esboçado. Meu sentido de justiça ainda me fez escrever alguns certos de errados, mas na maioria das vezes para benefício próprio. Recorri a humilhações e até a agressões físicas. Não havia onde eu não pudesse ir, dinheiro passou a não ser problema. Não havia o que eu não pudesse fazer, as mulheres… arrogantes, pretensiosas, convencidas, míopes para alguém como eu, passaram a estar ao meu alcance, não havia quem eu não pudesse ter. Eu era verdadeiramente livre, as regras não se aplicavam a mim, caminhava as ruas como um deus incógnito.
Mas aí ela veio e mudou a ordem natural das coisas. Ela viu-me antes de eu parar o tempo, reparou em mim, viu-me por quem eu era e simpatizou comigo. Sabia que a tinha de ter, mas lutei contra o facilitismo, não queria como o tinha feito até ali. Não foi fácil, demorou, mas consegui-a e foi melhor do que pude imaginar… era recíproco. E a nossa primeira vez, foi mesmo a primeira vez.
Amei-a tanto que cheguei mesmo a partilhar o meu segredo com ela. Divertimo-nos tanto, pude-a levar comigo, passou a ser minha companheira nas minhas aventuras. Orgulhoso mostrava-lhe o meu mundo e eu via-o pelos seus olhos.  Mostrou-me uma maneira diferente de apreciar o meu dom (como ela o chamava). Por um momento acreditei que ela me fosse tornar uma pessoa melhor e ela o fez… por um certo período. Fez-me jurar nunca usar meu dom contra ela. Uma promessa que não consegui manter. Sempre que senti a hipótese de a perder, usei os meus poderes para a redirecionar na minha direção.
O triste é que agora não sei se é minha porque quer, ou se é minha porque não lhe dei outra chance. 

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